Se você ainda não assistiu, provavelmente, já ouviu falar de “O Poço”, filme lançado pela Netflix no início do ano e que se tornou um sucesso no mundo inteiro. Muitos explicam o êxito da produção ao fato dela ter sido lançada no momento de isolamento social, provocado pela pandemia do novo coronavírus. Desde o início da quarentena, temos visto cenas da vida real que nos fazem refletir sobre o que acontece no filme, afinal, qual o sentido das pessoas estocarem alimentos e produtos como papel higiênico? A única resposta está no egoísmo humano, característica largamente explorada na película.
Em O Poço, (El Hoyo) Goreng (Ivan Massagué), personagem principal da história, acorda numa cela cinza e escura, acompanhado de um senhor de idade. No meio da sala, um buraco enorme, retangular, por onde você pode enxergar tanto a cela de cima como a de baixo. Eles estão no 48º andar dessa prisão vertical.
Trimagasi (Zorion Eguileor) é o nome do companheiro de Goreng e é ele que explica para o protagonista como funciona a dinâmica do lugar. Ao soar a sirene, uma vez ao dia, uma plataforma enorme desce do andar de cima e se encaixa no buraco do chão. Nela, restos de comida, pratos sujos, copos quebrados, alimentos pisoteados. Trimagasi come com gosto o que está à sua frente, com Goreng observando assustado e enojado.
Não é preciso ser bom em matemática para logo entender que aquela comida é o que restou do andar 47º, que comeu o que sobrou do andar 46º e por aí vai. Mas são quantos andares? Todos conseguem comer? Ninguém se importa com a higiene? São essas as perguntas que passam pela cabeça de Goreng e, consequentemente, pela nossa.
A escolha dos andares para os prisioneiros é aleatória e dura por um mês inteiro. Você pode passar um desses meses no 6º andar e receber alimentos quase intocados. Ou também pode estar no 159º e receber apenas pratos vazios durante o mês inteiro. E para nossa agonia é apenas no final do filme que descobrimos quantos andares a prisão realmente possui.
O filme espanhol dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia utiliza o roteiro da prisão para escancarar o egoísmo humano dentro de uma óbvia divisão de classes. Se quem está no topo economizasse comida, sobraria para a cela seguinte e assim todos conseguiriam comer, pelo menos um pouco. Mas as pessoas que estão nos andares de cinema abusam do privilégio ao se fartar de comida sem pensar no próximo, naquele que vai se alimentar dos seus restos.
Ao analisar o filme como obra cinematográfica, “O Poço” é um longa metragem que entretém ao nos deixar curiosos, fascinados e, ao mesmo tempo, angustiados mediante àquela realidade. É um daqueles filmes que nos dá tapas na cara ao mostrar, mesmo que numa situação absurda, como a nossa humanidade está se esvaindo. É pesado, é sangrento e mostra o pior (e até o melhor) que pode ser extraído de nós numa situação extrema.

O roteiro faz uma crítica ao sistema capitalista e ao socialismo ao mesmo tempo. É inevitável não lembrar do grau de desigualdade social que o sistema capitalista produz ao assistir a película; mas por outro lado, quando o personagem principal Goreng tenta estabelecer uma espécie de socialismo dentro da prisão, pra que ninguém mais passasse fome ali, ele acaba tendo que partir pra violência pra tentar alcançar seu objetivo. Nesse momento, Goreng percebe que o conceito de solidariedade espontânea, defendido por uma de suas companheiras de cela, que havia trabalhado na administração da prisão, não passa de uma grande ilusão.
Além das inúmeras reflexões sobre a sociedade que o filme produz, a obra é cheia de referências bíblicas e também à maior obra da Literatura Espanhola de todos os tempos: “Dom Quixote de La Mancha”, de Miguel de Cervantes. Apesar da temática do filme ser bem pesada, existem uns momentos de ironia, que chegam até a mesmo a nos descontrair, dando um toque de humor pra aliviar a tensão. Esses momentos surgem através do velhinho Trimagasi e sua maneira “óbvia” de interpretar os acontecimentos. Todos esses ingredientes nos fazem refletir durante toda a película e constamos que ” O Poço” será uma obra sempre atual, pois, infelizmente o egoísmo é uma característica permanente na espécie humana.
Assista ao vídeo abaixo para entender melhor como o filme dialoga magistralmente com o clássico de Cervantes. E lembre-se: mais importante que o final em si é a mensagem que o filme deseja transmitir….
Fonte: Site Jovem Pan
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