Toc, Toc

“De perto ninguém é normal” já diz o conhecido ditado popular. Todos nós temos nossas manias e jeitos peculiares de viver o dia a dia. Mas até que ponto nossos hábitos podem cruzar a linha da “normalidade” até se tornarem algo prejudicial?

“Toc Toc”, de Vicente Villanueva, diretor e roteirista espanhol, traz à tona, com muito humor, um assunto cercado de preconceitos, o transtorno obsessivo compulsivo (TOC).

Baseado na peça francesa de Laurent Baffie, o filme conta a história de seis pacientes que estão juntos em uma sala de espera para uma consulta com o Dr. Palomero, especialista em transtorno psicológico. A estressada secretária do consultório informa aos pacientes que, devido a um erro, todos tiveram seus horários marcados para a mesma hora. Além da confusão nos horários, o vôo de Palomero estava atrasado. Para se distraírem, os seis desconhecidos resolvem fazer uma terapia em grupo, lidando com seus problemas.

A ambientação é praticamente inteira dentro do consultório, exceto nos momentos de flashbacks. O filme é de baixo orçamento, mas o elenco consegue entregar atuações excelentes, dando a imersão necessária para o público. E, para os amantes de plot twist, o final do longa nos revela uma grande reviravolta. Sem dúvidas, uma obra que promove um pensamento crítico, abordando um assunto com pouco espaço dentro do cinema.

O filme nos faz refletir de uma maneira leve e divertida sobre os transtornos que acometem os personagens e nos leva a ter uma grande empatia sobre eles. A produção passa a mensagem de que conversar sobre o assunto e perceber que existem mais pessoas que sofrem de problemas semelhantes, é um grande passo para alcançar uma melhora na qualidade de vida de quem sofre desse mal e por que não de muitos outros males psicológicos também…

O que é o Toc – Transtorno Obsessivo Compulsivo?

Trata-se de um quadro de difícil manejo, marcado por pensamentos inconvenientes que invadem a cabeça sem aviso prévio. Eles são seguidos por um rito ou um comportamento repetido, que serve de escape para acalmar a mente. “É o caso do sujeito com um pavor irracional de bactérias que deixa de tocar em maçanetas e lava as mãos compulsivamente para não se contaminar”, exemplifica o médico Antônio Geraldo da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Apesar de afetar tanta gente, pouco se sabe sobre as origens do problema. “Acreditamos que ele seja o resultado da interação de uma falha genética com fatores ambientais”, conta o psiquiatra Leonardo Fontenelle, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Situações como traumas no parto, abuso nos primeiros anos de vida e até infecções estão associadas à gênese do transtorno.

O Toc no Brasil

Uma boa notícia é que o Brasil está na vanguarda científica e obteve avanços memoráveis no que se sabe sobre o transtorno. Em 2003, experts de diversas universidades se reuniram para formar um time voltado exclusivamente a pesquisar o TOC. Eles entrevistaram 1 001 portadores espalhados pelos quatro cantos do país.

A partir das informações, montaram o maior banco de dados sobre o tema do mundo. “Esse esforço coletivo já gerou mais de 50 artigos científicos e permite fazer conclusões certeiras que vão beneficiar diretamente essa comunidade”, comemora o médico Euripedes Constantino Miguel, professor titular de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e fundador do consórcio.

Um dos principais achados foi a relação do TOC com uma série de distúrbios psiquiátricos: 68% dos respondentes sofriam ao mesmo tempo com depressão, 63% conviviam com quadros de ansiedade generalizada e 35% foram diagnosticados com fobia social. Ou seja: por aqui, ter mais de uma encrenca mental é regra, e não exceção, o que modifica o tratamento receitado.

“Os levantamentos ainda mostraram que um terço dos pacientes já teve desejos de se suicidar e 10% haviam efetivamente tentado se matar, o que reflete a gravidade desses pensamentos e comportamentos”, acrescenta o psiquiatra Ygor Arzeno Ferrão, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

É Toc ou não?

Mas como diferenciar uma pessoa com TOC daquela que apenas gosta das coisas devidamente organizadas? “Se os rituais começam a tomar tempo, interferem na qualidade de vida, atrapalham a capacidade de estudar e trabalhar ou geram angústia e solidão, é preciso buscar ajuda”, responde a psiquiatra Albina Rodrigues Torres, da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista. A preocupação se inicia quando eles ocupam mais de uma hora por dia e fazem o indivíduo se atrasar ou até desistir de seus compromissos.

E é aí que deparamos com outro dilema: a demora entre o início do transtorno e o seu diagnóstico. “A média é de dez a 14 anos para procurar o médico, o que faz do TOC a doença do segredo”, lamenta a psiquiatra Roseli Gedanke Shavitt, do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Os gargalos são a falta de conhecimento dos próprios profissionais de saúde sobre a enfermidade e, mais uma vez, o estigma de ser tachado de “louco” numa sociedade que não encara as condições psiquiátricas com muito respeito. “O paciente compreende que suas atitudes são absurdas e os ritos desnecessários, mas não consegue deixar de segui-los”, esmiúça Roseli.

O Tratamento

A partir do diagnóstico, feito no consultório por meio de uma conversa e uma avaliação, o médico começa a traçar a rota de recuperação. “A primeira coisa a se fazer é a psicoeducação para explicar direitinho o que é o TOC, suas características e seus riscos”, diz a psiquiatra Maria Conceição do Rosário, da Universidade Federal de São Paulo.

Na sequência, vêm a terapia cognitivo-comportamental e os remédios da classe dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina, normalmente prescritos no combate à depressão. A união dessas duas estratégias em um tratamento de longa duração é a que costuma trazer os melhores resultados – cerca de 60% mantêm um bom controle com o esquema.

Para ter sucesso, é necessário abrir o olho para as doenças que seguem de mãos dadas ao transtorno, como a fobia social e a bipolaridade. “Algumas delas pioram se forem utilizados determinados medicamentos, o que demanda adaptações nas doses e na escolha do fármaco”, avisa o psiquiatra Pedro Antônio do Prado Lima, do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Não dá pra se esquecer da família nesse processo. Muitas vezes, os parentes participam dos rituais, pois sabem que desobedecer as regras do indivíduo desemboca em atritos. O correto seria não ceder a exigências e manias. “Ele até pode ficar ansioso ou agressivo, mas isso vai durar pouco. Se compactuar com as compulsões, todos se tornam reféns do TOC para sempre”, recomenda Ferrão.

A ajuda da família é muito importante para superar o problema.

O esforço de negar as vontades e agir com firmeza deve ser orientado pelo profissional de saúde. Ao longo das terapias, o paciente é incentivado a questionar seus pensamentos e modificar os comportamentos.

A ciência não está satisfeita e se debruça sobre uma lista grande de novas possibilidades terapêuticas. O mindfulness, técnica de atenção plena que se inspira em alguns conceitos da meditação, mostrou ótimo desempenho em pesquisas e surge como um potencial complemento aos comprimidos.

“Existem perspectivas sobre a neuromodulação, que estimula ou inibe regiões do cérebro com eletricidade ou ondas magnéticas”, vislumbra a psiquiatra Juliana Belo Diniz, do Hospital das Clínicas paulistano. Alguns apostam até na implantação de marca-passos e eletrodos na massa cinzenta para os casos que não reagem às alternativas disponíveis.

Porém, de nada vai adiantar essa batelada de tecnologias se as pessoas prejudicadas não puderem falar abertamente sobre o assunto e procurarem ajuda especializada.

Leda Sampaio, de 37 anos, não conseguia mais ficar sozinha com seus filhos após sofrer um trauma nove anos atrás. Depois de cinco anos de altos e baixos, buscou apoio e, hoje, se sente bem melhor. “Há uma vida toda nos esperando depois do TOC”, declara. Sábio conselho de quem viu, viveu e está vencendo suas próprias obsessões.

Fontes: portaldonic.com.br , saude.abril.com.br e Google Imagens.

Adentrando “O Poço”

Se você ainda não assistiu, provavelmente, já ouviu falar de “O Poço”, filme lançado pela Netflix no início do ano e que se tornou um sucesso no mundo inteiro. Muitos explicam o êxito da produção ao fato dela ter sido lançada no momento de isolamento social, provocado pela pandemia do novo coronavírus. Desde o início da quarentena, temos visto cenas da vida real que nos fazem refletir sobre o que acontece no filme, afinal, qual o sentido das pessoas estocarem alimentos e produtos como papel higiênico? A única resposta está no egoísmo humano, característica largamente explorada na película.

Em O Poço, (El Hoyo) Goreng (Ivan Massagué), personagem principal da história, acorda numa cela cinza e escura, acompanhado de um senhor de idade. No meio da sala, um buraco enorme, retangular, por onde você pode enxergar tanto a cela de cima como a de baixo. Eles estão no 48º andar dessa prisão vertical.

Trimagasi (Zorion Eguileor) é o nome do companheiro de Goreng e é ele que explica para o protagonista como funciona a dinâmica do lugar. Ao soar a sirene, uma vez ao dia, uma plataforma enorme desce do andar de cima e se encaixa no buraco do chão. Nela, restos de comida, pratos sujos, copos quebrados, alimentos pisoteados. Trimagasi come com gosto o que está à sua frente, com Goreng observando assustado e enojado. 

Não é preciso ser bom em matemática para logo entender que aquela comida é o que restou do andar 47º, que comeu o que sobrou do andar 46º e por aí vai. Mas são quantos andares? Todos conseguem comer? Ninguém se importa com a higiene? São essas as perguntas que passam pela cabeça de Goreng e, consequentemente, pela nossa.

A escolha dos andares para os prisioneiros é aleatória e dura por um mês inteiro. Você pode passar um desses meses no 6º andar e receber alimentos quase intocados. Ou também pode estar no 159º e receber apenas pratos vazios durante o mês inteiro. E para nossa agonia é apenas no final do filme que descobrimos quantos andares a prisão realmente possui.

O filme espanhol dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia utiliza o roteiro da prisão para escancarar o egoísmo humano dentro de uma óbvia divisão de classes. Se quem está no topo economizasse comida, sobraria para a cela seguinte e assim todos conseguiriam comer, pelo menos um pouco. Mas as pessoas que estão nos andares de cinema abusam do privilégio ao se fartar de comida sem pensar no próximo, naquele que vai se alimentar dos seus restos.

Ao analisar o filme como obra cinematográfica, “O Poço” é um longa metragem que entretém ao nos deixar curiosos, fascinados e, ao mesmo tempo, angustiados mediante àquela realidade. É um daqueles filmes que nos dá tapas na cara ao mostrar, mesmo que numa situação absurda, como a nossa humanidade está se esvaindo. É pesado, é sangrento e mostra o pior (e até o melhor) que pode ser extraído de nós numa situação extrema.

Trimagasi, interpretado por Zorion Eguileor, é um dos destaques do filme, óbvio… Rs

O roteiro faz uma crítica ao sistema capitalista e ao socialismo ao mesmo tempo. É inevitável não lembrar do grau de desigualdade social que o sistema capitalista produz ao assistir a película; mas por outro lado, quando o personagem principal Goreng tenta estabelecer uma espécie de socialismo dentro da prisão, pra que ninguém mais passasse fome ali, ele acaba tendo que partir pra violência pra tentar alcançar seu objetivo. Nesse momento, Goreng percebe que o conceito de solidariedade espontânea, defendido por uma de suas companheiras de cela, que havia trabalhado na administração da prisão, não passa de uma grande ilusão.

Além das inúmeras reflexões sobre a sociedade que o filme produz, a obra é cheia de referências bíblicas e também à maior obra da Literatura Espanhola de todos os tempos: “Dom Quixote de La Mancha”, de Miguel de Cervantes. Apesar da temática do filme ser bem pesada, existem uns momentos de ironia, que chegam até a mesmo a nos descontrair, dando um toque de humor pra aliviar a tensão. Esses momentos surgem através do velhinho Trimagasi e sua maneira “óbvia” de interpretar os acontecimentos. Todos esses ingredientes nos fazem refletir durante toda a película e constamos que ” O Poço” será uma obra sempre atual, pois, infelizmente o egoísmo é uma característica permanente na espécie humana.

Assista ao vídeo abaixo para entender melhor como o filme dialoga magistralmente com o clássico de Cervantes. E lembre-se: mais importante que o final em si é a mensagem que o filme deseja transmitir….

Fonte: Site Jovem Pan

Blog no WordPress.com.

Acima ↑