A hora e a vez dos perdedores

Qual cidadão comum, trabalhador,  honesto, pagador de impostos,  que nunca se sentiu fazendo papel de bobo em algum momento da vida? Pra quem nasceu em países marcados pela corrupção e desigualdade social como o Brasil então,  essa sensação é bem frequente. O novo filme de Ricardo DarínA Odisséia dos Tontos” (La Odisea de los Giles) faz uma homenagem a essas pessoas que são, sem dúvida, maioria no mundo.  

A produção é uma adaptação do livro de Eduardo Sacheri (La Noche da la Usina) que venceu o prêmio Alfaguara em 2016.  Dirigido por Sebastián Borensztein, o filme é um terno e divertido retrato dos perdedores que se vingam das injustiças cometidas por um bando de desalmados. A película tem um sabor especial para Darín, já que é a primeira vez que ele contracena com o filho Chino nas telonas.

O enredo do filme se passa no ano de 2001, época em que a Argentina passou pela maior crise econômica de sua história. O governo local havia implementado o corralito, medida que impedia que as pessoas que tivessem dinheiro em bancos pudessem sacar suas economias. Algo semelhante ao que ocorreu no Brasil, anos antes, no governo Collor.

Imaginem só o desespero que deve ter tomado conta da população que de um dia pro outro foi privada de utilizar recursos que eram próprios por direito.  O corralito, como é fácil de presumir, chegou a causar até mesmo mortes.   Um dos casos mais emblemáticos no país foi o do jornalista esportivo Horacio García Blanco, morto, aos 65 anos, seis meses após o ex-presidente Fernando de la Rúa impor as restrições.

García Blanco, que sofria de diabete e pressão alta, entrou na Justiça para tentar liberar suas poupanças e usar o dinheiro para viajar à Espanha. Com cidadania argentina e espanhola, pretendia fazer um transplante de rim em Madri, onde a operação era mais difundida.

“Havia uma exceção no corralito que permitia que idosos e doentes sacassem suas economias”, conta a advogada e amiga do jornalista, Mónica Alicia Damuri. A Justiça, porém, liberou apenas 10% do dinheiro que García Blanco tinha, volume insuficiente para bancar a viagem. Mónica recorreu, mas ele morreu de insuficiência renal antes de uma nova decisão. “O corralito era inconstitucional. Violava o direito à propriedade”, destaca, indignada, a advogada.

Conhecido nacionalmente por comentar, na rádio, lutas de boxe e partidas de futebol, o jornalista morou o último ano de sua vida na casa de Mónica. Era o marido da advogada que buscava García Blanco diariamente das sessões de hemodiálise. “Quem conheceu Horacio de perto viu como o corralito foi prejudicial”, diz a advogada.

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O congelamento dos saques nos bancos (corralito) levou milhares de argentinos a protestarem.

Para homenagear a todos os que sofreram com essa medida devastadora e também para não deixar que ela caia no esquecimento Ricardo e Chino Darín, além de atuarem, também produziram La Odiseia de Los Giles. Na Argentina chamam de gil àquelas pessoas trabalhadoras, boas, iludidas e um tanto ingênuas. Ricardo e seu filho não têm dúvidas: “Nós também somos um pouco giles. A maioria dos cidadãos do mundo é assim, porque sempre confiamos”, explicam os dois atores argentinos quase em dueto.

O filme nos faz relembrar a história de milhares desses cidadãos “trouxas” que  se viram enganados e esmagados pelo corralito.  Ricardo e Chino lideram um elenco poderoso em que se destaca a presença de Luis Brandoni. O longa se tornou o último grande sucesso de bilheteria da Argentina, que o escolheu para representá-la no Oscar. Esta fábula sustentada na realidade, que narra a vingança de um grupo de pessoas diante da fraude que sofreram, estreou no Brasil no dia 31 de outubro.

Em um encontro com o Jornal El País durante o Festival de Cinema de San Sebastian, onde A Odisseia dos Tontos foi apresentado na Seleção Oficial, Ricardo e Chino Darín estavam felizes, muito além da celebração de seu primeiro duelo interpretativo na tela. Também como produtores, estão diante de um projeto sonhado por muitos anos, no qual compartilham o trabalho com alguns dos melhores atores argentinos, orgulhosos de dar voz e vida a tantos cidadãos que foram afetados pelo corralito, um dos episódios mais traumáticos vividos pela Argentina em anos recentes.

“Somos tão domesticados, tão acostumados a obedecer e seguir a corrente de uma sociedade de consumo que às vezes esquecemos quais são os nossos direitos. Nunca se deve baixar a guarda na defesa dos direitos. Os abutres sempre estão à espreita para se aproveitar de pessoas crédulas, ingênuas e decentes. Essas pessoas que trabalham e que movimentam o mundo”, diz Ricardo.

“Não sei se desfrutei tanto quanto agora quando o vejo”, confessa Chino Darín sobre o trabalho com o pai. “Fiquei um pouco abalado pelo papel de produtor e pelo que significava trabalhar com meu pai. Comecei com um nível de tensão e responsabilidade de que me livrei depois”.

O que é verdade é que para mim foi um grande privilégio”, acrescenta, ante o olhar brilhante de Ricardo, que intervém: “Em uma cena compartilhada, se dois não querem, um não pode. É assim simples. O ator depende muito do que o outro nos deixa, do que nos entrega, da generosidade. É assim que a energia circula. Quando fomos capazes de nos liberar dessa enorme responsabilidade que tínhamos como produtores e focar no trabalho como atores, a sensação que tenho é que nos ajudamos muito.”

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Pai e filho contracenaram juntos pela primeira vez na “Odisseia dos Tontos”.

 “A Odisseia dos Tontos” te faz mergulhar na lama para depois te resgatar. Não evita a dor, mas te faz lembrar dela. Há no filme a intenção de dessacralizar, lutar pela memória, de voltar a recordar uma situação tão trágica como a crise econômica. “Estava na hora de os mocinhos vencerem alguma vez”, proclama Chino. “O melhor é como os espectadores pegaram essa história para si.

Acho que o fator preponderante em tudo isso é que tem a ver com uma certa reparação emocional para todos aqueles que sofreram aquele desastre ou os que o viveram de maneira colateral. Tem algo de bálsamo”, diz Ricardo Darín. “Foi uma época que, apesar da amargura e do sentimento de injustiça permanente, fez disparar a imaginação de milhares de cidadãos diante da impotência”, acrescenta Chino.

Pai e filho falam, se interrompem, dialogam, olham um para o outro. “É preciso falar da dor, trazê-la para fora. Na Espanha, vocês sabem disso bem com o tema da memória histórica. Fazer uma catarse coletiva. Só assim é possível enfrentar o futuro. Nós argentinos sabemos bem. Fazemos a grande ginástica para passar por crises, sobreviver a elas e voltar a renascer.”

Se você ainda não viu, não deixe de prestigiar a esses corajosos “giles” nos cinemas, afinal a vingança é um prato que se como frio não é mesmo? 😎

Fontes: El País Brasil e Portal Terra

 

Medianeras

Sabe aqueles filmes, que de tão fofos, depois que você assiste, dá vontade de recomendar pra todo mundo? Medianeras, Buenos Aires na era do amor digital é assim… A película, como o nome sugere é um romance, mas abrange muitos outros pontos que vão do amor ao drama, com boas doses de comédia.

O título original “Medianeras” se refere ao nome que dão na Argentina para as  laterais dos prédios, que viraram local de propaganda e já abrigaram murais de pintores.  As medianeras são o lado esquecido de um edifício. O lado que não dá para a frente nem para os fundos, que acusa a passagem do tempo e que não esconde a sujeira que faz parte da cidade e sua história. O restante do título adotado no Brasil  (Buenos Aires na Era do Amor Digital) deve-se a  conexão que o roteiro faz entre a arquitetura, a modernidade, o crescimento desordenado de uma metrópole  (no caso, a capital argentina) e como isso afeta seus habitantes.

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O filme Medianeras debate os reflexos nocivos da modernidade na vida das pessoas. Imagem – Reprodução Internet

O filme foi lançado em 2011, quando os smartphones ainda não eram tão presentes em nosso cotidiano como são hoje, mas a internet já era presença marcante na vida de muitos, especialmente dos mais jovens. O filme propõe uma reflexão sobre como o ambiente digital, que promete uma aproximação das pessoas, pode muitas vezes causar o efeito contrário: uma solidão cada vez maior.

Os personagens principais Martin (Javier Drolas)  e  Mariana (Pilar López  de Ayala)   _  que dão um show de atuação _  são exemplos de jovens solitários que se fecham cada vez mais em si mesmos, devido especialmente a traumas sofridos no passado. Ambos parecem não se adaptar bem a esse universo de amores líquidos, que vão e vem numa velocidade tão rápida como um clique.

Durante todo o filme ficamos torcendo pelo encontro dos dois, já que ao conhecer a história de cada um de forma paralela, vamos percebendo como eles são parecidos e como formariam um par ideal. O tão esperado encontro parece que não vai acontecer nunca, e enquanto isso, eles vão vivendo outras histórias desencontradas, e sofrendo cada um com suas desilusões.

Acredito que essa demora do encontro foi uma maneira de o diretor Gustavo Taretto chamar nossa atenção para alguns fatores, tais como: A dificuldade de conhecer alguém  com quem realmente desejemos ter um relacionamento duradouro, mesmo vivendo em locais com tanta gente; Como nas questões amorosas o quesito sorte, ou  o destino, se preferirem, é tão decisivo, (afinal, eles moravam tão perto e nunca haviam se encontrado antes); Como o ambiente virtual deixa as relações pessoais um tanto banalizadas; Como é importante se desconectar um pouco para viver de fato a vida, entre outros tópicos…

O lançamento de Medianeiras aconteceu há 07 anos, mas posso afirmar que o filme está cada vez mais atual e suas reflexões estão ainda mais pertinentes,  hoje em dia, na era das redes sociais. Se você ainda não viu, confira no link abaixo essa deliciosa história legendada em português e descubra que ainda há espaço para o amor em nosso mundo cada vez cibernético.

Ps: Assista até o final dos créditos para não perder uma parte importante Rs

 

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