Em uma decisão carregada de simbolismo e refletindo o espírito da Convenção Constitucional do Chile, que teve início no dia 04 de julho, Elisa Loncón foi eleita a presidente do órgão que deve redigir a nova constituição do país.
A indígena, de 58 anos, presidirá o órgão que criará a nova Carta Magna, que deve substituir a atual, herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Loncón é professora, linguista e ativista mapuche — maior etnia indígena do Chile. Ela foi eleita por maioria absoluta (96 dos 155 votos) no segundo turno da sessão de abertura da Convenção.
“Agradeço o apoio das diferentes coalizões que deram sua confiança e depositaram seus sonhos no chamado feito pela nação mapuche para que votassem em uma pessoa mapuche, uma mulher, para mudar a história deste país”, declarou Loncón no primeiro domingo do mês, ao aceitar o posto com o punho cerrado acima da cabeça.
“Você pode dialogar com a gente, não tenha medo, porque também está instalada uma política do medo. Há muito preconceito sobre uma candidata indígena e mapuche. Então, esse é um chamado para nos libertarmos dos nossos preconceitos e interagir em condições iguais”, disse Loncón em uma entrevista recente ao periódico chileno “La Tercera”.
Sua eleição é uma mudança drástica para grupos que não estão reconhecidos na atual Constituição. “Esta convenção vai transformar o país e torná-lo plurinacional e intercultural”, declarou a professora.
A eleição de Loncón é também uma amostra da maioria dos progressistas entre os 155 parlamentares que compõem a assembleia. Com uma direita enfraquecida, com apenas 38 das 155 cadeiras, e a ascensão de candidatos independentes — em sua maioria progressistas —, a convenção terá a missão de colocar no caminho um país duramente afetado por uma crise social e institucional.
Loncón ocupa umas das 17 cadeiras reservadas para povos indígenas, sete das quais estão ocupadas por representantes do povo mapuche, duas pelo povo aimará e um para representantes de cada um dos outros povos: kawésqar, rapanui, yagán, quechua, atacameño, diaguita, colla e chango.

Nascida em Traiguén, na região de La Araucanía, no sul do Chile, um reduto mapuche, Loncón viveu a sua infância na comunidade Lefweluan. Recentemente, ela contou ao jornal espanhol El País que para ir à escola “tinha que viajar por oito quilômetros de sua casa na comunidade mapuche”, percurso que costumava fazer a pé. A maior parte da família dela ainda vive naquela comunidade.
Loncón se formou como professora de inglês na Universidade La Frontera, em La Araucanía, e fez pós-graduação no Instituto de Estudos Sociais de Haia e na Universidade de Regina, no Canadá. Ela também possui doutorado em Humanidades pela Universidade de Leiden, nos Países Baixos, e um doutorado em literatura na Pontifícia Universidade Católica do Chile.
Eleição simbólica
A eleição de Loncón é simbólica porque um dos principais debates para a redação da nova Carta Magna é o reconhecimento dos povos indígenas. A definição dos direitos para as comunidades indígenas e o debate sobre um Estado plurinacional são temas fundamentais.
Entre as demandas das comunidades indígenas está a criação de um Estado que aceite a autonomia e os direitos desses povos. Além disso, pedem garantias em termos territoriais e de reconhecimento de sua cultura e língua, entre outros pontos.
“Esse é um grande problema que vai custar caro, que precisará de muitas reparações históricas. E obviamente é complicado porque toca em direitos de propriedade. Mas é fundamental. Os modelos da Nova Zelândia e do Canadá são os mais interessantes (sobre o tema)”, propôs o doutor em Ciência Política Juan Pablo Luna, professor da Universidade Católica do Chile, em recente entrevista à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC).
Chile e Uruguai estão entre os poucos países latino-americanos que carecem de reconhecimento explícito dos povos indígenas em suas constituições. Do outro lado estão a Bolívia e o Equador, duas nações que não só reconhecem esses povos, mas também optaram por consagrar o caráter plurinacional de suas constituições.

Luna afirmou que a inclusão de direitos garantidos e reconhecidos na Constituição para as comunidades indígenas não representa apenas um forte efeito simbólico.
O doutor em Ciência Política apontou que vários países da América Latina que incorporaram esses direitos, como Brasil e a Colômbia, passaram a ter a Justiça como aliada dos povos indígenas para o reconhecimento de seus direitos constitucionais — como questões territoriais, acesso à saúde, entre outros direitos.
O prazo para que uma proposta de Constituição no Chile fique pronta é, no máximo, um ano desde o início oficial dos trabalhos, no domingo. Em 2022, um plebiscito, com voto obrigatório, definirá pela aprovação ou rejeição da proposta.
A atual Constituição chilena, herdada da ditadura Pinochet, é repudiada por muitos setores do país por seu modelo neoliberal no qual foram privatizados serviços básicos como água, educação e previdência.
Muita sorte ao povo chileno nesses novos tempos que surgem! ✊ 🌹 🇨🇱
Fonte: BBC Brasil